Passados as primeiras horas de euforia ou deceção, os primeiros dias de deslumbre ou incredibilidade, as primeiras semanas de limpeza de gabinetes e distribuição de pastas, vamos à tomada de posse das novas personagens para os diferentes órgãos do poder local.
O discurso evasivo de engenharia eleitoral mantém-se. Todos os partidos ganharam. Porque têm mais votos e maior percentagem, porque conquistaram câmaras determinantes ou emblemáticas, porque aguentaram autarquias ou porque elegeram pela primeira vez. Simultaneamente todos os partidos perderam. Porque os resultados foram abaixo do expectável ou nem chegaram aos “calcanhares” do anunciado, porque perderam câmaras em cidades com poder de decisão ou em localidades que dominavam desde sempre, porque tiveram desastres eleitorais surpreendentes e dececionantes.
Por outro lado, todos os partidos ficaram com problemas sérios para resolver. Lutas internas que adensaram – veja-se a corrida ao poder nos partidos que bradam por vitória eleitoral (PSD e CDS); estratégias de campanha postas em causa como é o caso do PS que por determinação do secretário-geral na figura de 1º ministro sem gravata, nacionalizou as autárquicas com a indecência de uma “bazuca” salvadora e seletiva para os candidatos partidários - os nossos têm o “pote mais à mão”; degradação eleitoral a perigar a forte e tradicional implantação local do PCP; falta de afirmação local a ser impeditiva de assegurar voto nacional como foi no BE – perda de vereadores em localidades de consolidação politica; fasquia elevada na exata medida da bazófia do omnipresente progenitor a defraudar expetativas do Chega.
Se a leitura nacional dos resultados tende implicitamente a considerar um pendor político desviante para a Direita, a verdade é que essa perspetiva de interpretação é muito mais de perceção do que real. Não quero dizer com isto que não tenha dado novo fôlego a esta oposição moribunda e que não deva ser percecionado como um alerta pela oposição de Esquerda. O PS precisa de ser lesto a aplicar políticas que respondam efetivamente aos problemas concretos. Urgem efetivas medidas de intervenção em detrimento do show-off da apresentação. A ver vamos o que nos traz este Orçamento, mas se a aragem corresponder ao que vem na carruagem, os ventos não serão favoráveis.
E em Barcelos. Considerando que este cenário de fundo nacional tem influência na opção de voto de muitos eleitores do centrão, o resultado eleitoral, no caso do nosso concelho, tem muito mais a ver com a dinâmica local – município e freguesias. A leitura dos números comprova um facto – foi o PS que perdeu a Câmara e menos a Coligação que a ganhou. O PS perde grande percentagem de votos nas freguesias urbanas e periurbanas onde sempre teve os eleitores mais fiéis. O PS perde porque em 12 anos de governação não resolveu nenhum dos grandes problemas estruturais – veja-se o ricochete do caso da água como que a poder dizer-se que “quem com ferros mata com ferros morre”; porque nunca pensou e projetou a cidade e o concelho para as pessoas e com futuro; porque foi ostensivo e persecutório, egocêntrico e publicamente conflituoso, presidencialista e dissuasor da participação cidadã e da envolvência politica e social; porque se enredou numa descarada teia de interesses e protegidos e se envolveu em casos judiciais de chacota nacional; porque, realmente, foi uma profunda desilusão para quem apostou e acreditou na mudança depois de fastidiosos anos de governação PSD.
Instalada que está no poder uma governação de Direita, mesmo que adornada por uma ressabiada fação de PS que aproveitou o momento para ajuste de contas pessoal – o que é um erro político profundo, num concelho de maioria social de direita, corremos sérios riscos de marasmar por um duradouro tempo. O PS fica com o imperdoável ónus do descrédito de uma governação de esquerda, mesmo que não tenha sido, que poderá demorar longos anos a reabilitar. Cometeu erros grosseiros, alimentou supérfluos atritos partidários e pessoais, arrastou por tempo infinito muitas das promessas em que sustentava o programa eleitoral, subverteu a génese plural e coletiva de exercício do poder local cultivando o presidencialismo da dominância unipessoal por concessão do foral da “carta-branca” para exclusividade de negociações e decisões.
E o BE que honrosamente represento? Tem historial de luta no concelho pela participação cidadã e exigência da prática da democracia, pelos direitos e valores da dignidade comunitária e pessoal, pela defesa de infraestruturas de interesse coletivo e de serviço público, pelo meio ambiente e pela qualidade de vida de toda a população. O BE fez uma campanha de debate pelas ideias, pelas propostas, pelos compromissos e pelo assumir de um contrato de desenvolvimento sustentável no espaço e sustentado no tempo. Teve como rosto desta mensagem um candidato à CM que muito dignificou a política, que muito elevou o debate e que muito honrou o BE.
Tivemos o resultado eleitoral que o/as barcelenses nos quiseram atribuir. Mantivemos os dois deputados municipais, eu próprio e um jovem promissor de grande maturidade e fulgor político. Regozijo-me por termos elegido, pela primeira vez, um membro para a AF de Arcozelo, tanto pela abertura a uma participação mais ativa e influente na freguesia quanto pelo eleito que é alguém com uma invejável capacidade de intervenção. Agradeço a todo/as quanto/as em nós confiaram e retribuo com a certeza de que confirmaremos essa aposta com a confiança pessoal e política que sempre pautamos a nossa conduta. Cá estamos, prontos a continuar a exigência de mudar.
Artigo publicado no Jornal de Barcelos, edição de Outubro.