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Orçamento decalcado e descurado!

Na última reunião de AM foi a debate o estrutural instrumento de gestão camarária – Orçamento Municipal.

É o último orçamento deste mandato autárquico. O último de um ciclo político marcadamente presidencialista – reinado Miguel Costa Gomes. O último de uma esperança defraudada para quem acreditou que o exercício do poder municipalista ia mudar, para melhor, e ia ser diferente tanto no modo quanto nos objetivos. O slogan inicial, em 2009, “Barcelos é dos cidadãos” rapidamente se percebeu ser um embuste que depressa se transfigurou num culto de reverencia presidencialista.

No decorrer dos mandatos fomos assistindo a uma degradação contínua do modo de funcionamento da gestão camarária, com sistemáticas incompatibilidades pessoais, partidárias e políticas, centradas e alimentadas pelo alcaide-mor. Em vários momentos a governação municipalista ultrapassou o limite do admissível chegando ao risível de ser suportado por um executivo de dois eleitos – presidente e vice. Já para não falar da meada de buscas policiais a constantes suspeições que culminaram em detenção domiciliária. Barcelos tem sido notícia, não pelos motivos mais nobres.

Muitos barcelenses acreditaram e ansiaram pela mudança, depois de desastrosas governações PSD. Volvidos estes anos não só desacreditaram como perderam a expetativa nessa propalada diferença. Urge recuperar a esperança e confiança de governações verdadeiramente de Esquerda.

Tal como disse na reunião de AM, em nome do BE, sintética e objetivamente aqui apresento algumas das razões que justificam a rejeição a este OM.

- Por uma questão de princípios democráticos um OM deverá ser antecedido de debates temáticos com projeções de caminhos a seguir em que o emprego do dinheiro de todos nós seja objeto de reflexão coletiva. Na verdade, é reconhecido o direito a governar a quem ganha eleições, mas o facto de ser poder não dá o poder da decisão absoluta. A construção do OM deverá ser uma oportunidade prioritária para o exercício da democracia participativa.

O Presidente, que em tempos idos de “estado de graça” até tinha a preocupação de reunir e debater as linhas gerais do OM com a oposição, agora já nem disfarça o desdém por qualquer proposta que possa ser apresentada e nem sequer dá cumprimento à formalidade do Estatuto de Direito da Oposição.

- Este é mais um corriqueiro Orçamento muito igual ao ano passado que por sua vez era idêntico ao do ano anterior e assim sucessivamente há vários anos. A única novidade que temos este ano é a variação dos montantes das receitas e despesas. Quanto me é dado recordar nunca tivemos valores tão elevados - 85.6 milhões, resultado do aumento das transferências do OE e da assunção de competências municipais na Educação. Continuamos a tratar de projetos herdados da governação PSD, que foram objeto de critica eleitoralista há 11 anos, que trespassaram todo este ciclo de governação PS e que vão continuar como promessa eleitoral das próximas autárquicas.

Durante todos estes anos nunca houve um modelo de desenvolvimento coerente e estrutural, projetado no tempo e sustentado numa capacidade de investimento com visão política capaz de responder ao ponto de partida: que cidade, que concelho queremos construir?

- Onde estão as obras estruturais que fizeram bandeira propagandista e foram objeto de propósitos da governação?

Contrato da água – nunca baixou o tarifário, nunca se fez a remunicipalização, nunca nada foi acordado de concreto. O que houve até hoje foram condenações - sucessivas em processos judiciais com custas que deram grandes rombos na finança municipal. Este processo passou de negócio ruinoso para litígio ruinoso, num percurso oculto e interminável entre as agruras de acordo e desacordo sem fim à vista.

Despoluição e conservação do Rio – depois de anos de abandono, iniciou-se um projeto estruturado de intervenção que, mais uma vez, por incompatibilidades pessoais e partidárias do Presidente, volta à inércia camuflada de anúncios avulsos - ao fim de 11 anos de governação são construídos 3 ancoradouros e anunciado 1,8 Km de passadiços. Que eficiência de desempenho!

Parque Urbano, Corredores Verdes, Frente Ribeirinha, Ecovia, Acessos à Central de Camionagem - vulgo depósitos de autocarros, e…, e… Para além de nada, nada mais foi feito.

Anseios locais a pressionar junto do poder nacional – neste caso com canal aberto do partido. Linha de Muito Alta Tensão só se mantém em agenda pela perseverante e valorosa luta do povo de Perelhal. Construção do novo hospital a transitar entre intermináveis promessas de organismos intermédios sem comprometimentos dos órgãos de decisão. Ora é a abertura dos procedimentos concursais, ora é a elaboração e/ou adaptação do projeto funcional, ora é a inclusão, ou não, no OE e/ou nas prioridades do Ministério da Saúde. Até ao momento, é nada!

Em jeito de substituição à falta de investimento público, cá temos uma desenfreada e descontrolada construção de especulativos fogos habitacionais e um boom de superfícies comerciais sem qualquer regra nem orientação. Destrói-se o comércio local e descaracteriza-se a cidade. Que legado urbanístico fica deste ciclo governativo? Sinceramente, nada prestigiante e nada concordante com o interesse público.

Que impudência política de gestão camarária! Como e porquê será lembrado este Presidente?

- Por outro lado, atendendo a que vivemos tempos excecionais para os quais são precisas medidas excecionais, como é possível que este orçamento ignore a crise social e económica que cada vez mais é mais evidente e atinge maior número de pessoas? Não se pode aceitar um Orçamento que não ponha no fulcro da atenção, com efetivas dotações, as políticas públicas de combate a esta crise profunda que afeta mais os mais vulneráveis. Perante a incerteza da pandemia só podemos responder com a certeza de medidas atempadas e assertivas. Refiro a este propósito que o BE apresentou uma recomendação, aprovada por maioria, que insta a CMB a construir um Plano de Emergência Económico e Social para o concelho. A ver vamos como vai ser cumprida esta deliberação da AM.

Assumindo a responsabilidade do cargo político que desempenho como deputado municipal, digo convictamente que este Orçamento é decalcado porque não estimula a participação, não tem visão alargada e estrutural e limita-se ao anúncio de medidas que transitam de anos anteriores, novamente sem cabimentos financeiros para a concretização. Este Orçamento é descurado porque é insensível à crise social e económica e não tem instrumentos de prioritária intervenção face aos reais problemas da população.

 

Artigo de opinião publicado no Jornal de Barcelos.